Ao escritor Raimundo Carrero!
O ANEL DO AMOR…, no círculo da vida!
Era apenas uma sombra… desde que a mãe se suicidou nas águas do rio Siriji que atravessa a Fazenda Califórnia e banha várias cidades no estado de Pernambuco… Ficava a olhar as águas calmas na madrugada cujo bordado feito de sombras e dentro delas o pensamento… sombras cheias de vida como abelhas no interior do enxame., com um segredo gestado de sabor no interior de fruto maduro
Vivera grande parte de sua vida paralisado, eliminando o sonho pela certeza da derrota. Experimentando os frutos do passado. Sem futuro. Ruínas estraçalhadas pelo vento…E pelo tempo, formas grotescas e ensolaradas. Foi ontem – quando estava viva – como hoje, palpitante, cantarolando e arrastando os chinelos pelo corredor. Foi ontem e por isso é como hoje. Estava ali mesmo deitado. Escutou o ruído do vento… Levantou-se e levantou-se com a decisão solitária e feliz dos suicidas…ou da fera em busca da presa…presa na armadilha…empurrou lentamente a porta…
A sombra crescendo na parede, o suor escorrendo na face. E sofria porque tinha certeza que ela sabia do seu desejo. Sabia também, uma mulher quando deseja, como fruto maduro não se sustenta na árvore. Antes, porém, buscara as pedras da coragem. Fitou nas sombras onde percebeu o tremor do corpo, como embriagado. Ouviu um sussurro: esperei e ansiei com a agonia de noiva. Mas sempre se esquivava, se escondia…tinha medo!
A voz dela tinha ternura e medo do sofrimento… Como semelhante ânsia dizia para si, a nenhum homem deve ser dado o direito de semelhante agonia…a renúncia do amor, do desejo porque se é obrigado, por regras e renunciar ao que mais deseja! Ama! Mesmo sendo irmã!
Aproximou-se, num gesto ela pediu silêncio…para não acordar o pai e o irmão…Não acordarão…dormem como as pedras cobertas de lodo. O rosto esbraseado, a voz arrastada, terna, os lábios úmidos, tocou-a incontrolado.
É meu irmão, disse, tentou afastar-se…inútil…o corpo um feixe de luz e desejo…não tem mais músculos, já não tem mais nervos e não pode sequer parar o coração.
Veja, trouxe o punhal para acabar o sofrimento…Com ele tencionei matá-la, desde que começou essa agonia, esse desejo de corpo, de alma… Mas compreendi que é estúpido continuar a ter medo de você, desejá-la. Pensei, é estupidez. Uma mulher, como uma estrela, não se mata. Começou a andar… na réstia via a porta entreaberta.
Entrou. Ela estava de costas, lentamente se aproxima…
O punhal reluzia na mão. Como se matam as estrelas…
Tinha os braços cruzados, dos olhos escorriam lágrimas. Um silêncio. Um vulto…ergueu o olhar… irmão mais jovem, era mais do que uma pedra. Um monumento…Não foi mais do que um segundo, olhos de assombro o fitaram. Levantou a cabeça e endureceu o queixo. Nos olhos havia fogo e ódio e ternura, ânsia de desejo…
As lágrimas escorriam pela face. Lutava para conter-se… Escutava as batidas do coração e a vibração do corpo…Uma sombra de sofrimento no rosto e uma força incontida parecia explodir a qualquer instante. Parecia, delirar. Dobrou-se sobre ela e a mão paralisada não conseguia desferir o golpe…tinha se preparado para esse momento…com tanto furor e desejo…e agora, não conseguia.
Então, em silêncio… virou para si o punhal!
Ela se levanta e num ímpeto abraçou, chorando, o irmão mais novo e retirou da mão o punhal. Ele, envergonhado, não levanta a cabeça. Ela, assustada, mas com um leve sorriso, ajudou sentar na cama. Ele engoliu seco um soluço. Os olhos lacrimejavam. Fitou-a com um sorriso cinzento. De culpa, de amizade, de desejo e após um minuto de indecisão quis levantar. Tocou-o de leve…. Seja como for, fique…em silêncio… Quero apenas ouvir o meu silêncio, a minha desgraça.
Sentiu tonteiras e ânsias de vômitos. Conteve-se. Havia pouca luz no quarto. Deitaram-se na cama… Retirou a roupa. Desabotoou sua camisa, o suor descia pelo peito. Olhava o teto.
A sombra da noite entrando pelas frestas do telhado o enfeitiçava. Pensou em levantar-se. Era correto permanecer no quarto? Foi quando percebeu que tinha o corpo molhado de suor. Sentia frio e calor. Um tremor de febre. As pálpebras cerradas e – O mistério do corpo violado pelo desejo. Não tinha forças para se levantar. Quis falar. Apenas um choro manso, sem desespero. Sem rompantes irrompeu alma transida de frio. Frio pecaminoso e terrível por estar diante do mistério, do desejo e não poder enfrentá-lo.
Vinha uma agonia, uma certeza do crime. Havia pecado. Pecado e os espíritos do desespero sussurravam vozes terríveis. Não pergunte porque é pecado um sentimento tão profundo… O desafio da morte, sobre a morte. Pelo menos uma vez em toda vida, num momento de suprema clarividência compreendia, enfim, que há uma grande e incomensurável diferença entre a felicidade desgraçada dos homens comuns a felicidade trágica do amor incestuoso e a vontade dos suicidas.
Exultou. No sangue ferveu uma grande alegria. Alegria inusitada que parece dar asas.
Retornou à realidade… e a encontrou despida debruçada sobre seu corpo. Compreendeu que não era sonho nem pesadelo como várias vezes acontecia…acordava e ficava sem saber o que fazer! Feitiço de encantação e loucura…quiz levantar-se. Permaneceu como estava. Impressionante era a postura da irmã…luminosa, brilhante sobre seu corpo. Não se moveu. Impassível e muito quieto deixou-se ser possuído na escuridão da noite. E agora não pensava em nada. Não pensava em nada. Tinham chamas que serpenteavam. Baixou a cabeça duas lágrimas, num zás de pranto, desceram pela sua face. O rosto ficou rubro… E os lábios tremeram. Como se o silêncio e as sombras não pudessem incomodá-lo. Enlouquecimento e mistério, havia nos seus olhos.
Sentiu o sangue quente escorrer sobre as coxas, quente e queimando como brasa. Escorreu pelo lençol, deixando o sinal do ato… Não havia mais dor e desespero…apenas um silêncio quebrado pelos ruídos do vento e o som da chuva batendo no telhado. Limpou o sangue, virou o rosto e aconchegou-se à irmã…cuja longa cabeleira negra se espalhava sobre seu corpo e a cabeça levemente apoiada no seu peito. Não ousava nenhum movimento…precisava se retirar antes da chegada do dia…esfriar a cabeça e tentar entender o que acontecera…a passos lentos foi se afastando e antes de chegar à porta, voltando-se pra irmã, agora sua amante disse: precisamos pensar no que fazer!
– Preciso saber como fazer para não gerar mais sofrimento.
E a viu sorrindo, pois, foi sorrindo que começou a cantar, com uma voz profunda e maravilhosa que vinha das entranhas, só para satisfazer o irmão. Inventava os passos de uma dança qualquer – Dança canhestra, desajeitada. Pouco a pouco foi ganhando ritmo e força. Os músculos retesavam-se, mas o corpo era leve. Nos passos desajeitados, feitiço e loucura. Tristemente desajeitados. Solitariamente desajeitados. Numa alegria ou imensa tristeza em cada palavra. O gemido, como um uivo silencioso e contido ou o som de trovão atravessava a casa, e se espalha no universo.
Cantava com embriaguez e paixão!
A traição havia atravessado o sonho e se tornara realidade desde que entrara no quarto, lado escuro do seu drama, não estava revelando. Naquele momento, naquele exato momento, virou-se rápido…necessitava sair dali, antes que o desejo não pudesse ser mais controlado… afinal o ato já tinha sido consumado…, mas o desejo não tinha desaparecido. Precisava dormir. Descansar da longa travessia…Daquela profunda, perigosa e pecaminosa viagem ao infinito da alma…Caminhou pelo corredor e a luz solar já estava tentando romper as trevas da noite…
Noite tenebrosa de prazer…dor…horror e temor…
Os sonhos mergulhados na raiz dolorosa da paixão. Desde que a irmã havia retornado do colégio interno. Poucos anos de estudo. O suficiente para descobrir que não poderia ficar longe do pai e do irmão. Possuía o gosto pela paixão da vida, pelos sabores da vida. Pela luminosidade e liberdade dos homens… se perguntava porque não mulheres ter uma vida semelhante…?
Deitou-se na cama. Os olhos presos ao teto
As lembranças retalhadas. A recordação do ato. Do passado mais distante quando crianças e do passado mais próximo. Apoiou a cabeça no travesseiro. Seja como for – pensou – Não dormirei hoje. A certeza absoluta. O passado de ontem e o passado de hoje. O homem não é apenas o cemitério dos passados, dos vários e misteriosos passados?
Tinha medo de se tornar um espectro, um arrependido… Feito pecador. Pelas regras do mundo…até podia ser…, mas não pelo sentimento que vinha de longe…muito longe…
desde que, quando crianças, fugiam da vigilância dos pais. Jogavam-se nus no rio…nadavam, nadavam, mergulhavam, se abraçavam…era algo inexplicável.
Voltavam da aventura cada um por caminhos diferentes sempre levando algo para justificar a ausência…ela quase sempre com um buquê de flores silvestres que a mãe adorava adornar casa. E dizia, ficou lindo filha! Aproximava-se e a beijava!!
A mãe, ainda jovem era um espectro. Estava sempre recitando poemas, lendo a Bíblia. Chorando. Chorava. Trancada no quarto. A situação ficou mais insuportável quando a filha foi estudar fora…, aumentou a tristeza e o desespero. Numa manhã acordou com gritos desesperados do pai, entrando na casa trazendo o corpo da mãe que se suicidara no rio!!!
Cena que ficou gravada na alma… a irmã teve voltar. Foi chamada para o enterro da mãe…e disse que não retornaria ao colégio. Decidiu e pronto!
Ninguém ousou contestá-la…
Depois do enterro, um silêncio triste e profundo tomou conta da casa e de todos…
Era um silêncio de dor e real.… Despertou do sonho? Pesadelo? Quando acordou, se deu conta de que a traição havia atravessado o sonho, com um golpe atingira o coração do delírio. Golpe mortal, sangrento.
Tomou uma decisão! Precisava resolver antes do amanhecer e os ruídos tomassem conta da casa…. Levantou-se…caminhou silencioso até o quarto… A porta entreaberta…a irmã voltou-se como a despertar de um sonho, sorriu para ele e… estendeu os braços…te esperava…todo o corpo crepitava…aproximou-se e penetrou naquele corpo belo…
e numa desesperada cavalgada, numa viagem nas asas de Pégaso realiza-se… e, no mesmo instante a mão ergue o punhal e no auge da viagem…num só movimento…atravessa o coração da irmã!!!!
Ela, sem nenhum ruído, deixa escorrer duas lágrimas e diz:
Obrigada, meu irmão! Te amo!!!
Retira o punhal molhado de sangue, ergue-o e, num golpe certeiro…crava-o no próprio coração! Cai sobre o corpo e num último suspiro disse: Te amo, irmã!!!
Num céu escuro, um raio de luz atravessa o universo…E o uivo do trovão se faz ouvir… acordando todos…E um alvoroço toma conta da casa…Como se, do Phanteon, os Deuses enfurecidos gritassem de horror…diante de tanta dor…e tanto amor!!!!