Capítulo 2
QUESTÃO ONTOLÓGICA E GNOSIOLÓGICA NA APREENSÃO DO REAL
O problema ontológico é o mais antigo da reflexão filosófica que a história do pensamento registra, afirma o professor Chasin. E não chega a ser exagero dizer que, aquilo que se entende por filosofia, aquela forma de pensar que tem origem nos gregos, começou praticando ontologia, sem que essa palavra existisse e sem que os seus primeiros praticantes estivessem pensando em criar uma disciplina específica com um nome determinado.
O pensamento começou com a questão ontológica. Os présocráticos, aqueles que procuraram determinar o elemento primordial do universo, faziam uma reflexão ontológica na medida em que buscavam estabelecer qual a realidade efetiva do mundo. O que era esta realidade última do existente. No entanto, não denominaram essa busca de ontologia e nem tinham por proposta criar uma disciplina específica nessa direção. A criação efetiva da ontologia virá um pouco adiante em torno de trezentos anos depois com as tematizações de Platão e, em especial, como disciplina estabelecida, com Aristóteles. Porém nem Platão e nem Aristóteles intitularam tal reflexão de ontologia. A denominação ontologia vai aparecer muito tempo depois, e será uma criação, em torno do século XVII, na Alemanha.
Assim, levou dois mil anos para que esta construção na busca do conhecimento ganhasse uma denominação, ainda que já houvesse, com Aristóteles, uma certa descrição, um perfil, um lugar específico na imensa cadeia das ciências. Em Aristóteles o nome que esta área recebeu foi “Filosofia Primeira”, isto é, aquela área do conhecimento que dá o fundamento para todas as demais ciências. A ontologia é entendida, então, como a base pela qual se torna possível o congregado articulado da ciência em seu conjunto. Isto porque a ciência em seu conjunto e sem a ontologia não ultrapassaria o universo de opiniões particulares, sob faixas particulares do saber. Por outro lado, é preciso esclarecer que a simples forma pela qual se exprime essa questão, já traduz em grande medida a tematização do problema no interior dos aproximadamente dois últimos séculos, porque até o século XVIII quando a questão ontológica era referida, o clima teórico que envolvia a questão era completamente distinto desses últimos duzentos anos.
Assim, ao colocar a ontologia aristotélica como base, como fundamento, como aquilo que gera a possibilidade de ciência no seu conjunto, dá-se ênfase e privilégio à questão do conhecimento, do saber; assim, se acaba por dar um clima de colocação que configura, como primeira relevância a fundamentação do saber, se prioriza a questão cognitiva; mas o problema ontológico tem a sua importância fundamental não enquanto fundamentação do saber, mas enquanto sustentação e afirmação do ser, do existente, do efetivamente reconhecido, enquanto tal. Logo, o decisivo na ontologia é a sua afirmação do ser. A ontologia é o reconhecimento dos entes, daquilo que está ali, daquilo que se tem diante de si. Isto não quer dizer que se esteja negando que a ontologia é a base das possibilidades do saber, mas é uma distorção encarar a ontologia, prioritariamente, como base do conhecimento, porque, na verdade, a sua prioridade é afirmar o ser enquanto ser. E quando a ontologia é apresentada como base do saber, se prioriza o saber. Dessa forma, o ser só aparece como alguma coisa que tem importância porque sustenta a subjetividade por ela própria.
Na compreensão do ser observa-se que Platão, como crítico de Parmênides e formulador de uma superação da concepção parmenidiana de ser, chega a fórmula de que o verdadeiro ser é um paradigma racional. O ser é uma intelegibilidade que existe como prioridade fundamental face às existências empíricas imediatas, que se pulverizam, que se apresentam em sua dimensão de multiverso. Logo, o mundo das ideias em Platão é um mundo ontológico, pois a verdadeira realidade é a ideia, só que não é na subjetividade, mas fora da subjetividade. Para Platão, a ideia posta na subjetividade; mas uma subjetividade esclarecida e cientificamente dotada; uma pura reprodução e imitação do que está num universo objetivo, fora da consciência das individualidades.
É preciso ressaltar que, Platão ao idear o universo da racionalidade, da inteligibilidade, não reduz a razão a uma construção elaborativa do sujeito; isto porque ela existe independentemente do sujeito, este poderá se apropriar ou não dela. Este mundo das ideias em Platão não é aquele que habita a cabeça do filósofo; não é a reflexão do filósofo, ainda que ele tenha por finalidade fundamental refletir sobre o mundo das ideias; isto é, trazer o mundo das ideias para si; este mundo das ideias em Platão é algo objetivo, algo que está no interior da subjetividade, pertence a uma exterioridade na objetividade; sendo que essa objetividade é uma objetividade não concreta, mistificada, na realidade, uma invenção.
Aristóteles, quando faz a crítica da teoria das ideias de Platão, deixa bem claro, dizendo que era simplesmente uma duplicação do mundo. Aristóteles que viveu vinte anos em companhia de Platão, quando rompe com o platonismo, é um rompimento relativo, pretendendo aperfeiçoar o platonismo. É preciso ressaltar que, Platão confere ao mundo das ideias a verdadeira existência na perspectiva ontológica e faz situar a verdade no mundo do ser; mas o ser está situado fora da efetividade vivenciável; o ser é só pensável, porque em Platão não se trata apenas que a ontologia esteja intimamente articulada com o problema gnosiológico, mas porque a solução ontológica do ser é diretamente em si, o sabido.
A ontologia trata da coisa, e a questão é saber o que é a coisa. É o ente enquanto ente. Existe um critério ontológico para se ter acesso a coisa, que é exatamente a compreensão de que a verdade não é uma relação, mas é algo do ser. A verdade nada mais é do que a reprodução conceitual do ser. A verdade não existe fora do sujeito, só existe no sujeito, mas este existir no sujeito é uma reprodução do ser. Logo, partir do ponto de vista ontológico é partir do objeto, da coisa; ou seja, da objetividade, da coisa em si.
Assim, a questão do uno e do múltiplo é central, quando o propósito está em pensar a objetividade, a coisa, por exemplo: a folha, que nasce de um verde brilhante, cresce, desenvolve e chega a fase adulta de verde mais escuro; de repente ela começa a amarelar até o instante em que morre. É a mesma folha sob aspectos diferentes; sob momentos distintos de sua vida. Esse processo é denominado de diversidade em relação a si próprio. A questão é saber quem é a folha; ou seja, o algo que é a folha. Quando é ela mesma. Obviamente é ela mesma nos três momentos, mas esses três momentos são diversos. A questão agora é saber como é que esses três momentos se unificaram em termos da folha; ou seja, como é que, é ela própria, em sendo as outras. Em suma, é preciso identificar o que permanece para que as três sejam elas próprias. E, se nada permanece, como é que em algo que nada permanece é o mesmo e como é ela própria sendo as outras, se não permanece nada, como é que em algo que nada permanece pode ser o mesmo. Observa-se que, todo esse processo ocorre ao se pensar o humano de forma muito mais rica e complexa. A questão fundamental, determinante é saber o que há de permanente no embrião, no feto, no recém-nascido, na criança, no adolescente, no jovem, no velho até se extinguir na morte. No concreto, ele é o mesmo nos vários momentos.
Assim, a questão desde logo é ontológica, porque o problema do uno e do múltiplo não é uma questão do conhecimento, mas da existência; isto porque o existir não é o fluxo do uno de uma mesma aparência, pois até mesmo na sua máxima naturalidade põe o diverso, a alteridade, o outro-em-si. Por isso a grande questão ontológica é saber se as coisas são assim ou se assim nos parecem. A ontologia admite de imediato que as coisas são assim, não simplesmente parecem ser desse modo. A questão que se coloca é saber como sintetizar o diverso, o múltiplo na unidade de um ente que é ele próprio, mas possui múltiplas facetas; ou seja, é saber como articular a alteridade, compreendida aqui no plural, de algo com esse próprio algo.
O primado ontológico se coloca a partir do reconhecimento de que a unidade está no real. A ontologia marxiana não pretende ser o exame de tudo o que se dá, mas das categorias fundamentais de formas de existência social. Por exemplo, para existir o ser social é preciso identificar as categorias que determinem o seu existir e que características têm que ter este algo (o ser) para ser social. Tem que ser: um ser ativo, consciente; ou seja, tem que trabalhar, se produzir individual e socialmente, tem que idear e romper com as próprias barreiras que coloca a si próprio. Isto é, tem que superar o fenômeno do estranhamento.
Na reflexão ontológica marxiana sobre a questão do trabalho enquanto produtor da riqueza do mundo humano o pressuposto é que o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão; torna-se uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. Assim, o trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens.
Dessa maneira, o objeto produzido pelo trabalho, o seu produto, se lhe opõe como ser estranho, como um poder independente do produtor, e como o produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, que se transformou em coisa física, é a objetivação do trabalho. Assim, a realização do trabalho constitui simultaneamente a sua objetivação; todavia na economia política a realização do trabalho aparece como a desrealização do trabalhador; a objetivação como perda e servidão do objeto e a apropriação como alienação; de maneira que a realização do trabalho surge de tal modo como desrealização que o trabalhador se invalida até a morte; a objetivação revela-se de tal maneira como perda do objeto que o trabalhador fica privado dos objetos necessários, não só à vida, mas também ao trabalho; isto porque, o trabalho transforma-se em objeto, que o trabalhador só consegue adquirir com o máximo de esforço e com interrupções imprevisíveis; e mais, a apropriação do objeto manifesta-se a tal ponto como alienação que quanto mais objetos o trabalhador produz tanto menos ele pode possuir e mais se submete ao domínio do seu produto, do capital.
Todo esse processo resulta do fato de que o trabalhador se relaciona ao produto do seu trabalho como um objeto estranho e, nessa lógica, quanto mais o trabalhador se esgota a si mesmo, tanto mais poderoso se torna o mundo dos objetos que ele cria perante si e tanto mais pobre ele fica na sua vida interior e tanto menos pertence a si próprio. O trabalhador põe sua vida no objeto; porém, agora ela já não lhe pertence a ele, mas ao objeto; assim, quanto maior a sua atividade, tanto mais o trabalhador se encontra sem objeto, porque o que se incorporou no objeto do seu trabalho já não é seu; então, quanto maior é o produto, tanto mais ele fica diminuído, logo a alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que existe independentemente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição a ele. Assim, a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica.
Em qualquer modo de produção, as categorias relacionadas ao ser social sempre aparecem. Logo, é um permanente na diversidade em que elas vão se apresentar isto porque sempre haverá trabalho, reprodução, ideação, estranhamento.
Entretanto, é preciso observar que a questão ontológica nasce embaralhada com a questão gnosiológica, ou seja, a história da ontologia até Hegel foi incapaz de fazer um estranhamento puro e limpo da própria proposta ontológica; Marx será o único ou o primeiro a, rigorosamente, distinguir as duas coisas: ontologia e gnosiologia. A ontologia em Marx permanecerá ontologia porque ele não permite que ela se embaralhe com a questão gnosiológica. Isto porque antes de dizer alguma coisa sobre como se sabe, é preciso dizer algo de fundamental sobre aquele que sabe, e porque ele sabe ou pode saber.
Apreensão ontológica do ser
A ontologia é o estudo dos atributos do ser. O ser conhecido em seus atributos é a estrutura mais geral de tudo o que existe. A discussão sobre o que é ser vem desde Aristóteles, para quem o ser é Substância. E substância é aquilo que é por ela própria e que sustenta todos os outros atributos. Assim, ser mesmo é só substância, ou seja, é aquele algo que torna uma coisa o que ela é. Ela, a coisa, pode perder tudo mais, mas se perder aquilo que faz o que ela é, ou seja, a substância, ela desaparece. Todo ser, ou seja, todo ente é objetivo, um ente não objetivo é um não-ente, para Aristóteles.
Em Marx, todo ser é resultado de um movimento, ou seja, todo ser é histórico. Consequentemente, a ontologia marxiana tem dois princípios básicos: 1) todo ser é objetivo; 2) todo ser é processualístico, isto é, histórico. Histórico no sentido da processualidade dos entes, ou seja, do comportamento de suas categorias. Portanto, o ser social é objetivo, mas não é autônomo, porque tem carências que precisam ser resolvidas na relação com outros seres objetivos, da comida à procriação, isto porque, o ser social não se reproduz no isolamento de si mesmo, mas na relação com outro igual, na diferença macho-fêmea.
O ser social é multirelacional, precisa de relações porque ele tem ene (n) carências, ene (n) necessidades que se resolvem objetivamente, ou seja, que se resolvem na relação com outros entes tão objetivos quanto ele. Mas, objetivamente falando enquanto coisa real e não como ideia, representação, razão, pensamento. O sentido de objetivo é que ele é contraposto a representativo ou ao especulativo, além de ter dimensão sensível no sentido de coisa concreta. Daí a impossibilidade da existência de Deus. Essa impossibilidade surge no pensamento marxiano a partir do início da concepção do ente enquanto existência real, enquanto objetividade, porque Deus não é objetivo. Assim, não é pela crítica da religião que a questão se coloca para Marx. O mais radical é o fundante ontológico em relação a Deus, porque a ideia não é um ser, mas é um produto de um ser em sua existência ontológica; ou seja, na sua existência relacional. O ser marxiano não teria ideia se ele não fosse relacional. A relação dos seres produz algo que é próprio de um dado tipo de ser. O pensamento, a subjetividade só é própria do homem, e não poderia haver relação se não fosse pensamento, ideia, consciência. Para Marx os animais não se relacionam; só os homens têm essa capacidade. Se se coloca graus na relação, é possível constatar que não há relação da montanha com o ar, nem da chuva com a água do rio no sentido de uma relação para-si. Só o homem é capaz de estabelecer essa relação.
Em Marx há uma ontologia da história. Os seres na história são o ponto de partida de Marx, porque o que não se constata na história não é ser. Entretanto, se constata Deus e a religião na história, mas como projeção aos céus das melhores qualidades do homem. O homem que não pode usufruir das suas melhores qualidades na terra, porque o mundo é um ser sem espírito, porque projeta no céu o seu espírito. E o fato da religião ser uma realidade não significa que ela seja objetiva; o fato dela ser um fenômeno que se manifesta, não faz dela um ser. Na realidade, ela, a religião, é um produto do ser social, é uma forma de ideação deste ser.
Para compreender essa questão o importante é resgatar Platão, para quem a ideia é o real, porque ela efetivamente existe. Em Marx a ideia não existe como ser, ainda que ela seja o fundamental do modo de ser de um dado ser. Isto porque a consciência é o elemento fundamental no ser humano, sem ela não há ser humano, porque é um atributo, é a faculdade, é a capacidade de idear deste ser. Não há nenhum ato humano que se manifeste sem que a consciência esteja presente. Consciência não quer dizer consciência verdadeira, porque ela pode ser uma falsa consciência. Marx é de fato aquele que descobriu, e isto é radical, que a consciência está sempre presente, porém a falsa consciência é tão efetiva, tão produtiva quanto a verdadeira consciência.
Um exemplo dessa questão comprovando a existência tanto de uma consciência falsa como de uma consciência verdadeira e que ambas funcionam, está na tese doutoral de Marx, em 1841, falando exatamente de Kant a respeito da crítica que ele faz ao argumento ontológico. Marx refuta ironicamente Kant dizendo o seguinte: “O fato de que alguma coisa imaginada, inexistente seja acreditada funciona como se aquela coisa existisse”. E Marx pergunta: “O Apolo de Delfos não comandou a vida grega?” E assim vai numa sucessão de exemplos até que termina dizendo: “Um indivíduo que imagina possuir 100 táleres vai à rua e compra mercadorias no valor de 100 táleres. O que é que ele ganha com isto? As mercadorias e uma dívida de 100 táleres”. Ironicamente Marx conclui: “foi assim de resto que toda humanidade contraiu dívidas contando com seus deuses”.
Pressupostos ontológicos do ser social
Marx afirma na Ideologia Alemã: “Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas, são pressupostos reais de que não se pode fazer abstrações a não ser na imaginação. São os indivíduos vivos, sua atividade e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles encontradas, como as produzidas por sua própria ação”. Assim, Marx parte apenas disto: “Homens vivos, na vida”. Logo, não é possível se fazer nenhuma objeção; não é o fato de que Marx tenha o direito de fazer tal afirmativa, mas que não há nenhum ponto de partida melhor do que esse. É o ponto de partida onde não há nenhuma valoração pré-estabelecida, porque parte de indivíduos vivos, dotados de suas características constatáveis, não faz disso nenhum pressuposto gerador de alguma consequência necessária, obrigatória. Partir de um pressuposto como o mundo das ideias é muito inferior e muito mais problemático porque, imediatamente, põe diante dos olhos alguma coisa que é extremamente difícil de admitir. Enquanto que, admitir que existem homens vivos, não há nenhuma dificuldade, não contém nenhuma valoração retórica, é partir da realidade concreta, homens vivos construindo a sua história.
Quando Marx faz a crítica no plano teórico a uma das três (filosofia, economia e política) produções do mesmo nível de sua época, não fica vasculhando como prioridade a base gnosiológica, o método, as consequências políticas etc, sua crítica parte da construção na história e não mais como ponto de partida empírico. Não é a manifestação da poeira do multiverso, é sempre de um complexo – mil fatores estabelecendo a unidade, porque Marx não parte de uma concepção, de um abstrato qualquer, nem parte de uma mancha empírica, mas parte de um complexo real.
Logo, realizar a ontologia é precisamente dizer o que a coisa é; porém, até Marx, o mundo nunca foi algo como uma totalidade que pudesse mostrar claramente o seu passado, o seu presente, sua dinâmica e as possibilidades de superação desse presente. É, exatamente, a partir do momento em que uma razão se coloca para além do capital, que o todo passa a estar circunscrito. Antes o mundo era parcial, por mais completo que fosse possível de ser observado. Mas, somente quando o real começa a explicitar praticamente uma razão superior à razão do capital, portanto, uma razão superior a razão de Hegel. Isto porque, Marx entendia a construção hegeliana como a razão máxima do capital, incluindo os elementos críticos ao próprio capital. É somente aí que o mundo se tornou um todo real; ou seja, que a objetividade e a efetividade ganha um ponto de maturação.
Além do mais, a ontologia só é possível na medida em que a consciência for uma consciência post festium, inclusive, como afirmava Hegel “A filosofia é o fazer do anoitecer”; ou seja, a filosofia é uma ciência do anoitecer, porque é somente ao final do dia que se compreende o que foi o dia, que se pode avaliá-lo; podendo, inclusive, fazer algumas previsões para o dia seguinte.
Na concepção marxiana o real instaura a crítica da razão e não é uma subjetividade, nem uma idealidade, e quando critica Marx parte de uma factualidade apanhada em seus complexos, contra os quais são esbatidos os textos que são analisados. A ontologia é uma afirmação fundamental, mas ela não esgota o assunto. A partir da afirmação, deixando o campo ontológico, passa para o exame do concreto; ou seja, o exame concreto das situações concretas. E isto já é ciência, mas de base ontológica. A ontologia de Marx não é especulativa, nem sob a forma do racionalismo clássico, nem sob a forma do racionalismo chamado lógico-formal-ontológico de Hegel. A ontologia marxiana não é um construto racional, também não é empirista, ou seja, não é o sensível de Feuerbach, mas é um empírico-histórico. Isto é, o empírico em Marx não é o fenômeno, mas significa o concreto-existente, histórico. Esta é a ontologia de Marx.
Em Platão, o objeto já é o nome da coisa na relação cognitiva e o objeto é a coisa formada na relação cognitiva. Fala-se o tempo todo em objetos e na maioria das cabeças o objeto é aquela coisa na relação cognitiva. Portanto, não é mais nem ele, o objeto, nem a subjetividade do sujeito, mas o resultado dessa relação. Assim, a relação cognitiva dissolve o objeto.
A questão gnosiológica na apreensão do real
O critério gnosiológico se refere ao saber e, enquanto tal, se refere ao campo da subjetividade. Este é o pensamento predominante, tudo se passa pela relação cognitiva, sobretudo a partir de Kant, cuja concepção é a liquidação da coisa no sentido do objeto, ou seja, ganha-se o objeto e perde-se a coisa. Assim, tomar como partida para o conhecimento o ponto de vista gnosiológico, é partir do sujeito e não da realidade, e quem dá unidade do conhecimento é, portanto, o sujeito.
Logo, o critério gnosiológico é que, de algum modo, parte-se da ideia de que há unificação ao nível do saber, mesmo quando esta unidade é pulverizada, pois é ao sujeito que compete dar unidade. Isto leva a afirmações hoje, amplamente na ciência contemporânea, que a objetividade não existe; e há, inclusive, todo um consenso nessa perspectiva, ou seja, de que toda ciência é uma ciência da organização do sujeito face aos dados fenomênicos. Esta é a herança que se coloca nesses últimos duzentos e cinquenta anos, na teoria do conhecimento, dentro do qual é gerado o saber, e dentro do qual a verdade é o buscado, o processo tem sido o da relação sujeito/objeto e este pensamento se coloca a partir de Kant.