Na construção de um novo tempo
Refletir sobre a possibilidade de, com a Literatura, ajudar a construir um novo tempo; tempo de esperança, de liberdade, de livros e de resgate do sentimento de humanidade, essa e a proposta aqui desenvolvida. Na realidade, vivemos um tempo de profundas transformações e nossa proposta é fazer uma reflexão sobre a arte da Literatura no processo de humanização do ser humano que, partindo da animalidade construiu-se enquanto ser social e seu mundo pelo e através do trabalho. Entender qual o papel que deve ter as comunidades literárias no estabelecimento de uma relação de intercâmbio cultural na construção e divulgação de uma escrita de sentimentos de humanidade, utilizando como instrumento a Palavra, numa parceria de compreensão e transformação da realidade.
Na história da humanidade constata-se a importância da produção literária expondo uma compreensão da realidade e expressando sua influência na consciência de sua participação na formação do gênero humano. É fundamental entender esse fenômeno social em sua dimensão ontológica, isto porque, na medida em que a humanidade atravessa uma profunda crise, econômica, financeira, política e mesmo ideológica; uma crise estrutural, cuja essência está no próprio mundo criado pelo homem, a produção literária têm importância fundamental ao abordar questões que possam levar adiante um projeto de construção de um novo tempo, estruturado na cultura, na educação, enfim, no saber e mantendo as conquistas adquiridas ao longo da caminhada no seu processo de humanização.
Para tanto, torna-se premente que se compreenda a literatura como instrumento que expressa a humanização do homem enquanto ser social que, partindo da animalidade, construiu seu mundo com o trabalho e desenvolveu a linguagem estabelecendo o intercâmbio cultural. Nesse processo, a arte, a literatura para expressar sua humanização ocupa um espaço determinante. Percebe-se, então, a importância da criação e produção literária, cuja matéria consiste exatamente na concepção desse processo. A compreensão desses pontos passa necessariamente pela busca ontológica do longo caminhar do homem, construtor de um mundo que ora destrói e ainda a destituição de seu produtor enquanto ser produtor do seu mundo e de sua humanidade, impedindo que continue nessa caminha e faça um retorno à barbárie, não mais para a caverna na qual reconhecia como seu habitat, mas, agora, como “lepra civilizada”.
Todavia, é preciso destacar que, para que o ser humano continue a construir humanamente o seu mundo, é preciso superar esse momento histórico, compreendendo corretamente o real, a partir da concepção e apreensão do concreto e da reflexão sobre seus condicionantes; e esse processo pode contar e se expressar na arte da escrita. No entanto, é preciso levar em conta que, como afirma o pensador Karl Marx que, uma organização (ordem) social nunca desaparece sem antes que desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter”; é o que expressa a violência da guerra uma das maior formas de garantir a reprodução da sociedade capitalista, organização social do capital onde tudo vira mercadoria; o sagrado é profanado e tudo que é sólido desmancha-se no ar. E, a única esperança para transformar esse momento histórico é o conhecimento, entendimento e a literatura é um grande instrumento de luta.
É nesse preciso contexto que a literatura aparece enquanto instrumento de resgate da humanidade do homem. Isso porque, enquanto arte, se constitui como importante instrumento na mediação das relações sociais. É por meio da arte, da escrita que o escritor expressa sua capacidade de subjetivizar a realidade para melhor compreender sua essência. É um processo que deve ser acompanhado de um arsenal heurístico e filosófico que compreenda o momento histórico e, a partir daí, possa ser desenvolvida uma atitude crítica em relação à arte, pois “criticar é apreciar, apreciar é discernir, discernir é ter gosto, ter gosto é ser dotado de intuição literária”, como diz Antonio Candido.
Portanto, é preciso ressaltar a necessidade de estabelecer uma correlação entre a reflexão filosófica da humanização do homem e a produção literária dos grandes momentos históricos. A literatura, está relacionada às criações poéticas, ficcional ou dramático, em todos os níveis da sociedade, bem como em todos os tipos de cultura e até nas formas mais complexas da produção escrita das grandes civilizações ao longo do processo histórico. Na realidade, a produção literária é considerada a expressão da “manifestação universal de todos os homens em todos os tempos”. Na história dos povos está registrada a maneira, as formas em que ser humano expressa a compreensão do seu tempo na produção literária. No entanto é preciso destacar que, cada organização social produz suas manifestações tanto ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com sua compreensão da realidade, de suas crenças, seus sentimentos e as normas estabelecidas para a sobrevivência. Ademais, está demonstrado que as normas e valores que determina organização considera, defende ou mesmo as que considera prejudiciais à sobrevivência se apresentam nas diversas manifestações de cada sociedade. Além do que, a produção literária, de maneira geral, confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate determinadas formas de convivência que possa influenciar no comportamento da sociedade; daí a necessidade que tem as organizações sociais de estabelecer normas que se relacionem dialeticamente com os seus problemas, notadamente na produção literária.
A literatura é considerada um instrumento importante tanto na instrução como na educação, e é proposta a cada ser humano, como equipamento intelectual e afetivo. É clara sua importância para a humanização do homem, tanto a literatura utilizada na forma da organização de onde emerge, quanto a considerada questionadora da ordem; tanto a que são sugeridas e impostas pelos poderes como a que nascem, são geradas pelos movimentos de questionamento da ordem vigente, do poder dominante. Não se pode considerar que literatura seja apenas uma experiência inofensiva, ela é também um instrumento de manipulação e pode, inclusive, causar problemas psíquicos e morais, na medida em que ela é a expressão real ou ficcional da própria vida, da qual é imagem e representação, podendo gerar um processo de transfiguração e compreensão da realidade.
E mais ainda, pode ter um importante papel na formação da personalidade, nem sempre de acordo com as convenções estabelecidas, mas sim, um poderoso instrumento de transformação da própria realidade. Não resta dúvida de que um livro nas mãos de leitores atentos, pode ser um fator de perturbação e de transformação. A própria instrução ilustra essa ideia na medida em que a leitura de um determinado livro pode conter um manancial de informações que gera conflitos e o efeito do seu conteúdo pode transcender, questionar as normas estabelecidas pela sociedade.
Na realidade, a literatura é capaz de elevar a compreensão do mundo humano a mais alta subjetividade, principalmente nos momentos em que o concreto é por demais real e as relações sociais encobrem a sua verdade, como o momento do tempo partido em se que se vive nesse momento, um tempo partido, de homens partidos”(Drummond) e mais, diz ele, “…o poeta declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas (p.ex. a literatura, nota da autora), promete ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme…”. (idem).
Assim sendo, compreender a construção do mundo humano – através da leitura, análise e reflexão da produção literária, fundamentada na produção filosófica dos pensadores que desenvolveram uma concepção ontológica da humanidade – é de suma importância. É um processo que passa pela identificação, nas obras literárias, dos elementos que caracterizam a humanidade do homem, frutos da observação e do entendimento dos grandes estudiosos que refletiram sobre a evolução do mundo humano ao longo da história. Daí a importância da leitura da Bíblia e dos clássicos da literatura universal, obras cujas linhas conduzem o leitor pelo caminho que percorreu o humano até a contemporaneidade, desde os momentos históricos mais conturbados. Percurso deve começar com o pensamento grego pré-socrático, passar pelos humanistas, e atravessar a modernidade, até chegar à contemporaneidade.
No processo de construção de um novo tempo, a produção literária que busca compreender o mundo e a capacidade de transformação e aperfeiçoamento é de fundamental importância; isto porque, como afirma o pensador Georg Lukács:
A existência e a essência, a gênese e a eficácia da literatura só podem ser compreendidas e explicadas no quadro histórico geral de todo o sistema. A gênese e o desenvolvimento da literatura são parte do processo histórico geral da sociedade. A essência e o valor estético das obras literárias, bem como a influência exercida por elas, constituem parte do processo social geral e unitário através do qual o homem faz seu o mundo, pela sua própria consciência”.
Esclarecendo que, o seu desenvolvimento e a qualidade da obra literária tem uma grande importância no processo de produção, reprodução e transformação das relações na sociedade, na medida em que, mesmo sendo uma produção individual, é desde o início um produto social, e continuará sendo no desenvolvimento da humanidade.
Finalmente, é preciso considerar que a produção literária tem uma grande contribuição a oferecer no processo de resgate da humanização do homem, bem como, a importância do papel exercido pelos grupos e comunidades literárias, a exemplo da A.C.I.MA – Edição Mandala, cuja proposta tem sido o de buscar a paz, o caminho para a construção de uma sociedade verdadeiramente humana, como diz sua coordenadora (Sonia Miquelin): Cada um de nós é um pedaço único de um puzzle humano e universal em contínua transformação. Assim sendo, é a marca determinante deste projeto ESPERANÇA & SPERANÇA, dessa comunidade literária a esperança de, com nossa escrita, gerar uma contribuição para a construção de um novo tempo de luz, liberdade, dignidade, enfim…de HUMANIDADE!