Há tempos queria te escrever,
somente agora percebi que o momento
havia chegado. Sento-me em frente a
tela do computador e junto a mim
uma foto tua esmaecida pelo tempo.
O olhar é longo e distante como que
atravessando o universo.
Diferentemente de ti que partiste jovem,
muito jovem o meu caminho foi longo.
E agora, diante dos acontecimentos
tive necessidade de escrever-te.
Olho a janela e sinto que me é indiferente
se o mundo continua ou não a existir.
A vida perdeu o significado, a importância;
por isso antes do silêncio da memória preciso
dizer-te que tomei essa decisão,
cheguei à conclusão de que a vida decorria
agora em função das aparências
e que já não mais me interessavam.
Preciso explicar, Mãe, a decisão está ligada
ao fato de que, além da idade, me cansa as coisas
nesse tempo partido de muita desalmação.
Num mundo ameaçado por algo desconhecido,
e, termos que enfrentar a sentença de
extermínio porquê somos peças descartáveis…
mais sensato é, decidir livremente o instante
de apagar as luzes desse entardecer…
Assim, antes que minha vida/morte seja
decidida por outros, defino eu o momento!
Em paz vou ao teu encontro.
Apenas uma coisa me perturba e não sei
com lidar: partistes cedo, jovem, então,
quando nos encontrarmos terei
a imagem de mãe e tu de filha,
Como será que lidaremos com isso?
Não importa.! O que importa mesmo
é estarmos juntas. Te falarei das coisas,
dos livros que li e escrevi…
É chegado o momento. Espera-me!
Amanhã, nos primeiros raios de sol, partirei.
Ah, Mãe, estaremos juntas infinitamente…
Recife, maio de 2020