Rufam silenciosos os tambores…
O cortejo fúnebre segue naquela manhã nebulosa.
O véu da noite sendo recolhido e
Um rasgo de luz surge anunciando a aurora.
De repente, uma pequena multidão de mulheres
Impede aos gritos a caminhada do féretro…
Exigem ver quem está sendo levado para a morada final!
Diante da negativa avançam em direção e
Arrancam com suas mãos o pequeno ataúde, abre-o.
Um grito de horror e terror ecoam em uníssono!!!
Uma das mulheres debruça-se e ergue nos braços
O pequeno corpo fraturado, mutilado e grita:
O que te fizeram filho???
‘’ Que crime cometeste para te deixarem assim???
O p
O pequeno escravo tinha sido torturado até a morte…
É diante de tanta miséria e dor que se ergue a escrita
De uma mulher, negra, de nome Maria,
que também Era Firmina como o sobrenome Reis,
Porém possuía a Carta de Alforria!!!!
Sua escrita se espalha num eco em forma de Canto gritando:
liberdade! E perguntando:
Por que o mundo é tão banal, tão infame…???
Mundo onde um “Anjo branco” baixado das alturas,
Espanca as trevas – o negro – deste mundo ingrato.
Oh! Quanta dor!
Como lutar pela liberdade,
Pela glória de um dia ter quebrada as correntes e
Homenagem pelo seu bicentenário de nascimento
Outra história e com outro timbre, uma só palavra
Escrever: LIBERDADE!!!
Só conseguia dizer: Ah!
Não posso!!!! Se com
Uma frase se pudesse no peito destacar.
Uma frase misteriosa e forte como o gemido
Do mar numa noite erma, de tempestade e que…
De repente tudo clarear e do infinito um doce e
Meio luar iluminasse a alma dos que acorrentam,
Torturam e matam os que com suor, sangue, dor
E lágrimas produz a riqueza dessa terra!!!!
Sentindo-se impotente diante de tanta barbaridade,
Escrevia: “Ah! Se pudesse mudar as coisas…”,
Mas só conseguia apenas dizer:
“…muda sou, por lei, que me impõe oh, Deus!
Entretanto, não desiste, sua escrita encerra e
Resume os afetos com sua gente e diz ressaltando
O gozo que sente os ‘anjos branco’ torturadores
Que recebem, no final, extra unção
para serem puros e alcançar
os benefícios de ir para os céus!
Para essa guerreira a liberdade era
Seu sonho,
Seu ideal e que, se não fosse essa a luta,
Menos a vida amaria, embora a considerasse
Bela como uma pedra preciosa…
Sabia, com certeza, a felicidade de não mais ser “escrava”!
Seu espírito de guerreira nessa luta considerava um dever.
O grito que escapava de seus lábios ela expressava na escrita
E ainda afirmava que se não mais pudesse lutar pela liberdade:
“Oh! Deus, – fazei-me morrer, porque se
não puder e pronunciar…
não posso mais sobre a terra viver”.
Mesmo com os grandes dissabores que sofria e
Com os prantos que vivia a chorar, escrevia:
“É tanta a agonia, tão lenta e sentida,
Que rouba-me a vida, sem nunca acabar…”!
Nos seus poemas exclamava:
“Não queiras a vida que eu sofro e levar tais dores que podem matar.
Eu as sofro todas, e nem sei como posso existir!”.
Considerava-se apenas, uma
“Vaga sombra entre os vivos,
Mal podendo meus pesares sentir”.
Por viver acreditando e lutando com sua escrita, afirmava,
“Talvez assim Deus queira o meu viver tão cheio de amargura.
P’ra que não ame a vida, E não me aterre a fria sepultura”.
A liberdade era para essa mulher negra e guerreira,
“…uma estrela, viva e bela,
Que ameiga meu sofrer, minha aflição
Que transmuda meu pranto em mago riso.
Que da terra me eleva ao paraíso…Seu nome!
Oh! Meus lábios não dirão…”!
Mas nós diremos e afirmamos por ti que,
Teu Povo Oh! Nobre guerreira, ainda oprimido,
Continua na batalha pelo que tanto lutavas!!!
A luta pela liberdade continua!
Só que agora a reivindicação é também pelo reconhecimento
Dos direitos e a dignidade que todo ser humano!
A teu Povo foi dado um salvo conduto que
O levou a uma liberdade na miséria, na fome
E ser acuado e massacrado nas periferias das grandes cidades…
não morrem na ponta do Açoite, do ferro…
porque o chicote se transformou na caneta, nem sempre de ouro,
com que os descendentes dos senhores da escravidão
assinam os decretos e as sentenças para manter
na aparente liberdade, a antiga escravidão!!!
Por tudo o que fizeste por teu povo,
Oh! Maria Firmina dos Reis,
teu nome é glória, é um porvir de esperança!
Teu glorioso sonho de liberdade ainda hoje,
Passados dois séculos do teu nascimento é agora,
Mais que nunca, uma chama ardente!
Teu nome é melodia.
O som que ecoa e exalta da tua escrita, embriaga de poético ardor
A esperança de construir, enfim… uma realidade humana!
Teu povo ainda sofre a dor dos antepassados, é verdade!
Agora, mais que nunca, desperto e unido num só sentimento,
Não só clamam, mas lutam pelo que de direito e de humano lhe cabe:
a LIBERDADE!!! *
(*) À Maria Firmina dos Reis, pelo seu bicentenário de nascimento e expressando o renascimento do espírito de luta sem trégua, sem acordo, sem carta de alforria expresso o sentimento do mundo a tua escrita que brotou do solo árido do nordeste maranhense marcado pela violência da senzala. É considerada símbolo de bravura e resistência. Na sua escrita, clamou com furor e indignação contra a injustiça escravocrata. Participou no meio cultural, floresceu no campo literário… de sua época, século XIX. Essa mulher negra, escritora, revolucionária, à frente do seu tempo, quebrou paradigmas e expôs uma realidade de miséria e violência para além…, muito além do seu tempo! Para ela, com gratidão e admiração, essa homenagem pelos 200 anos do seu nascimento.
Att. Texto escrito para a Editora CULTIVE, a ser publicado na Antologia dos 200 anos de nascimento de Maria Firmina dos Reis. 2022.