” Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo.”
Karl Marx
O processo de construção da sociedade humana ou humanidade social passa. necessariamente por compreender a realidade, na medida em que na atualidade vive-se uma crise estrutural, da essência do próprio mundo criado pelo homem, onde a grande questão é saber como é possível o homem, ser social, continuar sua caminhada para a humanização, porque no topo dessa problemática está a possibilidade do homem gerar a sociedade humana ou humanidade social. Para isso, é de fundamental importante compreender de onde ele veio e para onde vai.
Em meados do século XIX, o Movimento Operário faz emergir o que então se chamava ou era designado como movimento operário e que viria a ser chamado de Movimento Proletário, abrindo uma perspectiva de superação, para que os limites da auto-constituição do homem fossem rompidos. Essa é uma questão muita antiga, mas que se explicita e se torna viável nesse período de realização da ordem do capital, da sociedade capitalista, momento no qual Marx sinaliza para a perspectiva do homem continuar no caminho da construção de sua humanidade, ou seja, da sociedade humana ou da humanidade socializada (MARX, K. X Tese ad Feuerbach. São Paulo: HUCITEC, 1987, p.128).
Para compreender essa questão é preciso apanhar o processo da divisão radical entre o público e o privado, e do homem concentrado sobre si próprio, ou seja, do homem entendido como um ser egoísta, fechado em si mesmo, e que atua movido exclusivamente por esse lance de egoísmo. Nesse processo, a razão se põe a partir do egoísmo, havendo, por conseguinte, um ardil da razão que, movendo o egoísmo, se afirma enquanto racionalidade. Isto está posto hoje mais do que nunca, porque quando se passa a ouvir que são o mercado, a concorrência, a livre iniciativa e a competência que devem reger o universo da sociabilidade, nesse instante mesmo se está sob as formas mais puras, no sentido de isentas de qualquer outra intervenção, do nódulo fundamental da sociabilidade do capital.
É, portanto, na sociedade regida pelo capital, que se gerou a concepção de homem como ser isolado, cujos limites são os do seu egoísmo, sendo a liberdade o exercício e o controle desse sentimento no mundo político. Por isso, o Estado é, neste sentido, o controlador do egoísmo. Logo, é preciso organizar, através de uma solução contratualista qualquer, uma ordenação tal que os egoísmos não levem à recíproca aniquilação entre os indivíduos; pois, se o egoísmo só conhece por limite ele próprio, cada indivíduo vai até o seu limite máximo em relação ao outro.
E, partindo da lógica, ou seja, da concepção de que a lógica do capital concebe o homem como um ser egoísta, isto é, movido por seus próprios interesses, a expressão máxima fundamental como atributo desse ser é a propriedade privada. Isto está na Constituição Francesa de 1793, que proclama a declaração dos direitos do homem e do cidadão, dispostos em seu artigo 16, citado por Marx:
O direito humano à propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar de seu patrimônio e dele dispor arbitrariamente, sem atender aos demais homens, independentemente da sociedade, é o direito do interesse pessoal. A liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas pelo contrário, a limitação desta (MARX, K. A Questão Judaica. São Paulo: Moraes, s/d, p. 43).
Este é o marco inicial da chamada democracia burguesa, cujo princípio norteador é a divisão do homem em duas partes: o cidadão da vida pública e o burguês da vida privada. Ao primeiro é conferida a graça dos direitos públicos universais; ao segundo, o direito à consubstanciação dos interesses econômicos particulares e desiguais.
Dessa forma, sob a designação expressa de direitos do cidadão e direitos do homem, constata-se que o conteúdo dos primeiros (direitos do cidadão) é a participação na comunidade política, especificamente, na sociedade política, (Estado); enquanto que os últimos são os direitos do membro da sociedade civil, isto é, do homem circunscrito ao egoísmo. Assim, a característica decisiva da sociabilidade do capital, ou seja, da ordem burguesa, é a propriedade privada. No entanto, é preciso não esquecer que a propriedade privada gerou um desenvolvimento fantástico, a questão daí para frente era a superação dessa forma de propriedade, transformando-a em social. A transição socialista, então, é a superação operada com a passagem da propriedade privada para a propriedade social, formando uma comunidade universal. É essa a essência da transição socialista. E essa passagem, da propriedade privada para a social, “ocorrerá no instante em que existir um universo gigantesco de riqueza, riqueza material e espiritual”.
É preciso estabelecer o que seja riqueza material e espiritual. Quando o mundo de riqueza material e espiritual estiver de um lado e a pobreza material e espiritual estiver de outro, as condições necessárias à transição estarão postas. Hoje se tem ao mesmo tempo um universo magnífico de riqueza material e espiritual, em praticamente uma parte da humanidade, enquanto a outra parte é o repositório da miserabilidade, tanto material quanto espiritual, uma vez que esta formação desigual está na essência mesma da sociedade capitalista. Este fenômeno expressa uma imensa população despossuída, não apenas de bens materiais, mas sobretudo de bens espirituais, o que acentua a emergência de um processo de transformação social. A riqueza espiritual é o aperfeiçoamento de todas as capacidades ou capacitações humanas e espirituais, tais como a inteligência, o intelecto, a sensibilidade, etc., ou seja, não é um princípio qualquer para além ou transcendente da dimensão material. É um componente decisivo, absolutamente nítido, cuja expressão maior, mais imediata, é o fato de que o ser humano tem pensamento, consciência. E a própria linguagem é a expressão disso, posto ser “a consciência real, prática, que existe para os outros homens e, portanto, existe para mim mesmo; e a linguagem nasce, como a consciência, da carência, da necessidade de intercâmbio com outros homens”. (Marx. K. Ideologia Alemã. São Paulo: HUCITEC, 1987, p. 43). A linguagem é uma atividade ativa, é a consciência se fazendo, se pondo, se colocando. Na realidade, a fala é a consciência universal.
É preciso não esquecer que o homem tem dimensões biológicas das quais não pode se apartar, basta pensar, por exemplo, na nutrição e na sexualidade. Entretanto, nem a nutrição nem a sexualidade se resolvem de forma natural no homem, mas sim de forma social, ou seja, humana. Dessa maneira, a partir do momento em que uma parte da humanidade se apropria de toda a riqueza material e espiritual criada pela sociedade e destitui a outra parte dessa riqueza, põe-se a necessidade de desencadear um processo de transformação dessa realidade. Além do mais, nesse mundo de riquezas, aquele que está privado desses benefícios:
[…] retorna à caverna etc., mas regressa a ela sob uma figura estranhada, hostil. O selvagem na sua caverna – esse pitoresco elemento natural oferecendo-se para fruição e abrigo – não se sente estranho, ou sente-se, antes, como em casa, como o peixe na água. Mas o porão dos pobres é uma habitação hostil. (MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004, p.146).
Na verdade, o pobre, o expropriado, o desvalido, de quem se extrai a mais valia, é aquele que perdeu, antes de tudo, o direito ao habitat do homem, que é este imenso mundo de riquezas, que foi gerado pelo próprio homem, no seu processo de humanização. Ele perdeu, então, as condições de ser homem, de ser humano. O homem destituído do mundo é o homem privado de humanidade, isto é, das condições materiais e espirituais próprias ao ser humano. Para que este processo de transformação se efetive é decisivo que a maioria da população tenha acesso às condições materiais e espirituais, geradas pelo próprio homem, que foram apropriadas privadamente.
Tal transformação não deve ser feita simplesmente para detenção do poder político, pois, embora a emancipação política seja um passo importante, simboliza ”a redução do homem, de um lado, a membro da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente e, de outro, a cidadão do Estado, a pessoa moral.” (MARX, K. Questão Judaica, p. 51). Portanto, a auto-constituição, ou construção do homem, só é possível de se tornar realidade a partir de duas destituições: 1) da propriedade privada e 2) da política. É somente a partir da superação da propriedade privada, na direção da propriedade social, e a destituição do Estado, da política, que o processo será conduzido para a realização da emancipação humana. Isto é, emancipação da humanidade, porque tanto a propriedade privada quanto o Estado são parcelas das forças sociais alienadas da sociedade capitalista.
O Estado nada mais é do que o conjunto da alienação social. Isto porque recolhe um coágulo, uma parte da sociedade, como um todo e o volta em benefício a uma parte e ao mesmo tempo contra a sociedade civil. Assim é que a organização da sociedade civil, na articulação com o Estado, é a preservação das relações privadas de produção, ou das relações estatizadas de produção. A transição socialista não consiste na passagem da propriedade privada à propriedade estatal, mas sim à passagem da propriedade privada à propriedade social, qual seja, a propriedade do conjunto dos trabalhadores, isto é, dos produtores que a regem livremente. Essa sociedade, regida pelos produtores livremente associados, pode ser denominada de sociedade comunitária, comum, isto é, sociedade humana. É a sociedade em que todos se reconhecerão como de uma mesma família, dos Humanos, logo,
O comunismo distingue-se de todos os movimentos anteriores pelo fato de que subverte os fundamentos de todas as relações de produção e de intercâmbio anteriores, e de que aborda pela primeira vez conscientemente todos os pressupostos naturais de criação dos homens que nos precederam, despojando-os de seu caráter natural e submetendo-os ao poder dos indivíduos unidos. (MARX, K. e ENGELS, F. Ideologia Alemã. São Paulo: HUCITEC, 1987, p.110).
É importante esclarecer que o estabelecimento dessa sociedade comunitária, comunista, sociedade verdadeiramente humana, é uma instituição:
… essencialmente econômica, a produção material das condições dessa união (dos trabalhadores livremente associados); faz das condições existentes condições de união. O existente, que o comunismo está criando, é precisamente a base real para tornar impossível tudo o que existe independentemente dos indivíduos, na medida em que o existente nada mais é do que um produto do intercâmbio anterior dos próprios indivíduos. (idem, ibidem, p.110).
Assim, para que o homem possa atingir a sociedade comum, comunitária, ou seja, a emancipação humana, é preciso entender que no processo histórico de desenvolvimento da sociedade o trabalhador, aquele que gera a riqueza, e a própria riqueza, são contrários. Não basta dizer que são duas faces de um mesmo todo, que constituem uma totalidade, porque ambos são formações do mundo da propriedade privada, embora o lugar que ocupe cada um deles nessa contradição seja determinado. Na construção da sociedade capitalista, burguesa, duas categorias são determinantes: o proletariado e a riqueza, materializada em propriedade privada. Neste processo, o proletariado e a riqueza (propriedade privada) são contrários mesmo que constituam uma totalidade. São, na realidade, as duas faces de uma mesma totalidade, a sociedade burguesa; porque são formações do mundo da propriedade privada. Por isso, compreender o lugar que cada um ocupa é fundamental para saber o papel que desempenharão no processo de transformação da ordem do capital.
A propriedade privada, enquanto propriedade privada da riqueza, é forçada a perpetuar a sua própria existência e, por isso mesmo, de seu contrário, o proletariado. A propriedade, que encontra a satisfação em si mesma, é o lado positivo da contradição, que luta para eternizar-se; e o proletariado, inversamente, constitui o lado negativo, a inquietação da contradição, aquele que é destituído de si no processo de produção. Ele é forçado, enquanto proletariado, a abolir-se a si mesmo e ao seu contrário, a propriedade privada, dissolvendo-a e dissolvendo-se, enquanto classe, para continuar construindo sua humanidade.
Na verdade, a classe possuidora e a classe proletária representam a mesma alienação. Porém, a classe possuidora sente-se à vontade nesta alienação, porque encontra em si uma confirmação, reconhece na alienação de si o seu próprio poder e a aparência de uma existência humana. Enquanto a classe dos proletários sente-se aniquilada nesta alienação, vendo em si a impotência e a realidade de uma existência inumana. É no seio desta contradição que o proprietário privado é, pois, a parte conservadora, sendo o proletário a parte destruidora da relação. Do primeiro, emana a ação, através de quaisquer meios, para manter a contradição; do segundo, provém também a ação, embora utilize os meios que estão ao alcance inversamente, ou seja, na busca por aniquilar a contradição.
É verdade que, no seu movimento econômico, a propriedade privada se encaminha por si mesma para uma dissolução; mas o faz unicamente através da evolução independente de si mesma, inconsciente, que se realiza contra a sua vontade e que a natureza das coisas condiciona. Isto posto, o proletariado, consciente de sua miséria moral e física, de sua desumanidade, deve encontrar meios de superar a si mesmo. A vitória do proletariado não significa de modo algum que ele se tenha transformado em ser absoluto da sociedade, porque ele só conseguirá eliminar a propriedade privada eliminando a si mesmo, enquanto proletário e abolindo o seu contrário. Depois disso, o proletariado desaparece tal como a propriedade privada.
Se ao proletariado é atribuído esse papel histórico não é, de maneira alguma, por ser considerado como um ser maior, mas porque nele encontra-se plenamente desenvolvida e consumada a abstração de toda a humanidade, inclusive a aparência de humanidade, pois está ao lado da riqueza produzida e apropriada privadamente como partícipe, explicitando em seu estranhamento toda a miséria dessa contradição. Isto porque é nas condições de vida do proletariado que se encontram condensadas todas as condições de vida da sociedade atual, no que possam ter de mais inumano. A miséria que o proletariado já não pode evitar nem mascarar, a miséria que lhe é imposta inelutavelmente – expressão prática de sua imensa necessidade –, obriga-lhe a revoltar-se contra tal desumanidade. É por isso que o proletariado pode e deve libertar a si mesmo, mas pode se libertar sem abolir as suas próprias condições de vida, nem pode abolir suas próprias condições de vida sem acabar com as condições de vida da sociedade atual, que acentua sua própria situação. Por isso, não é em vão que o proletariado passa pela rude, mas fortificante, escola do trabalho.
Não se trata, pois, de saber qual o objetivo deste ou daquele proletariado, ou até do proletariado como um todo, mas de entender o que é o proletariado e o que ele historicamente foi obrigado a fazer de acordo com este ser que ele é. O seu fim e a sua ação histórica estão traçados de modo tangível e irrevogável pela sua própria situação e por toda a organização da sociedade burguesa atual.
Entretanto, é de fundamental importância esclarecer que o entendimento dessa contradição entre o proletariado, aquele que gera a riqueza, e aqueles que se apropriam dessa riqueza, os proprietários privados, é uma etapa no processo de desenvolvimento da humanidade. A sociedade capitalista é considerada a pré-história da humanidade do homem, é um tipo especial de formação social, no qual foi gerada uma imensa riqueza material e espiritual, embora tenha sido apropriada privadamente; gerando, de um lado, toda a riqueza produzida socialmente e apropriada privadamente nas mãos de poucos, e do outro lado, uma maioria destituída de qualquer condição material, que terá de lutar para resgatar o direito de continuar construindo sua humanidade; porém, é preciso destacar que,
Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem, antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. (MARX, K. Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo: Martins Fontes, 1977, p.25).
Não resta dúvida de que ao se analisar o processo histórico da humanidade e a construção do mundo humano é possível observar a existência de grandes épocas; entretanto, o que se verifica é que a sociedade burguesa, ou seja, a sociedade capitalista, é a sociedade em que:
As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social, contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição que nasce das condições de existência social dos indivíduos. No entanto, as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa, criam ao mesmo tempo as condições materiais para resolver esta contradição (idem, ibidem, p.25).
É por isso que com a formação social burguesa “termina, assim, a pré-história da sociedade humana”; e, a partir daí, estão dadas as condições para a verdadeira emancipação. A globalização gerou todas as condições para a transformação desse processo, posto que ao lado da riqueza produzida socialmente, tem-se ainda uma vasta população destituída de qualquer bem e até mesmo da possibilidade do seu acesso, privada de qualquer perspectiva de continuar construindo a sua humanidade. Pensemos, por exemplo, no grande desenvolvimento das forças produtivas e nos movimentos migratórios de massas humanas desvalidas a partir de migrações econômicas e políticas, bem como na ampliação das inter-relações entre povos, raças, religiões, gostos, com tendência à aglomeração de populações em determinados espaços, o que gerou um enorme processo de urbanização.
Assim, uma nova globalização pressupõe que as transformações sejam centradas na humanização do homem, e não mais no lucro, no dinheiro; uma vez que, na fase vivida pelo capital, o centro das preocupações é ocupado pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro, sustentado por uma informação ideológica, com a qual se encontra em simbiose. Na realidade, outra globalização é possível, se partirmos do princípio de que é preciso colocar o homem no centro e topo das preocupações do mundo, não só como dado filosófico, mas também como objetivo para realização das suas ações. E o resultado desta nova visão, desta nova compreensão do mundo, assegurará a humanização das relações interpessoais bem como da solidariedade social dos indivíduos entre si, entre eles e a sociedade, e entre a sociedade e o Estado que, ao longo do processo de transformação, será superado. Todo esse processo imprimirá uma nova forma de relação social capaz de transformar o mundo, construindo a sociedade verdadeiramente humana.
A globalização aponta para a perspectiva de uma sociedade humana, onde se teria o intercâmbio entre os povos, a concentração do processo de urbanização, a ideologização acentuada das relações sociais, o empobrecimento das populações tanto relativo como absoluto, e a perda da qualidade de vida das camadas médias, além da politicização da sociedade. Acrescido do fato de que a atual globalização, através do processo de manipulação dos meios de comunicação, estabelece como eixo central do mundo as relações de consumo. Na verdade, a realização de uma nova história passou a ser possível a partir da mistura de povos, raças, culturas, religiões, etc., fenômeno gerado pela própria globalização. Além do fato de que com a aceleração da urbanização, no último quarto do século XX, com as mutações nas relações de trabalho, acrescidas do desemprego crescente e do rebaixamento dos salários insuportavelmente, impõe-se a necessidade de superação deste modo de produção, cujo elemento desencadeador é a metamorfose das relações de trabalho.
Com o advento da sociedade capitalista, o trabalhador se livrou das amarras feudais e se tornou livre para vender no mercado a única propriedade que lhe restou, sua força de trabalho. É com a transformação dessas relações, nos dias atuais, que a organização social não mais absorve o trabalhador, transformado agora em consumidor, para a ampliação cada vez maior do exército de reserva e do seu lumper. Este passa a ser o momento histórico em que o trabalhador vai se tornando livre das relações que o prendia ao capitalista, pois estão sendo geradas as condições para que um novo modo de relação se materialize, dando aos trabalhadores possibilidades de compreender o seu lugar neste mundo. É quando, então, o trabalho será não mais sofrimento e expropriação, mas realização da humanidade do homem.
Assim, através dessas metamorfoses, é possível pensar o mundo como um todo globalizado humanamente, e que forma uma universalidade, respeitando as particularidades e realizando a humanidade do homem a partir da construção de um novo ethos, de uma nova ideologia e de concepções políticas estruturadas na solidariedade, tendo a liberdade de cada um como a realização da liberdade de todos. É através da própria dinâmica entre as universalidades empíricas, concretas, de desenvolvimento das forças produtivas, isto é, da técnica, materializada na sua socialização nas formações particulares, que será possível a superação do reino da necessidade e, finalmente, a realização da humanidade do homem enquanto ser social.
A globalização da relação de produção nessa sociedade fez com que se tornasse um todo, passando a humanidade a ser capaz de identificar-se e reconhecer-se nesta unidade, apesar das diferenças entre os países, lugares, povos, etc. Por isso, a consciência de pertencer ao mundo e nele estar inserido é algo concreto, que se tornou possível pelo amplo desenvolvimento da técnica e das ações dos próprios indivíduos, constituindo, neles próprios, as condições para que uma leitura diferente fosse feita desse mundo globalizado
Não resta dúvida de que a consciência de um novo mundo está sendo gestada – a partir do velho mundo – pelo nível de informação, que demonstra o quanto o mundo é um só, o quanto estamos próximos um do outro e, com isso, a certeza de que pertencemos ao mesmo mundo. A gestação desse novo mundo já é uma realidade histórica, com particularidades diversificadas, um todo humano. As condições objetivas e subjetivas para superação das relações desalmadas perpetuadas pelo mito do dinheiro e da tecnologia estão postas, bem como a possibilidade de instauração de um mundo novo fundado no trabalho humano como valor de uso e livre. Em síntese, as condições para a instauração do mundo verdadeiramente humano estão dadas pela globalização das relações sociais.
Em suma, é possível constatar que a verdadeira história humana está sendo gerada no seio da velha sociedade e a luta por sua realização passa necessariamente pela consciência desse processo e pela ação de exigir mudanças no uso da tecnologia, para que seja um instrumento de realização dessa verdadeira sociedade. No entanto, aliado a este projeto está a concepção de que é preciso compreender a espécie humana como gênero, como um todo único na sua profunda diversidade, enquanto particularidade e singularidade, na formação de um todo universal.